2 FILMES NUMA NOITE
Como o Fernando Fragata se declarava vítima do sistema pseudo-intelectual e como o EXPRESSO lhe dedicava uma crítica condescendente, resolvi ir ver o SORTE NULA. Como é sabido, estou entre os que defendem a necessidade de um cinema português mais comunicante.
Havia meia-dúzia de espectadores na enorme sala. Eu fui dos que saí ao fim de 20 minutos. Porquê? Simples: a coisa poderia chamar-se Pesadelo de Qualquer Coisa 2. O realizador simplesmente não tem uma única ideia de realização. Não tem a ver com querer fazer acção, nem do filme ter um orçamento baixo. BALAS E BOLINHOS que é uma brincadeira de amigos é incomparavelmente melhor, esse sim, mereceria ter sido bastante mais apoiado. Comparo os dois, porque ambos são filmes de baixíssimo orçamento. Só que o primeiro não queria ser mais do era; Sorte Nula quer ser tudo o que nunca será. Basicamente, não tem argumento, tem uma imagem pavorosa, os actores (os que o são, em qualquer sentido do termo) andam aos papéis num filme onde não devem ter visto qualquer papel.
Fernando Fragata é um operador de steadycam que gostaria de ser realizador. Mas, e digo isto com uma sinceridade que ele nunca poderá compreender, já que me move apenas o desejo de ver bons filmes, para se ser Spielberg é preciso mais do que deixar crescer as barbas e ir passear para LA.
Fiquei tão agastado com aquela... coisa, que fui a pé até ao Monumental, onde comprei de forma descrente bilhete para A COSTA DOS MURMÚRIOS.
E... percebi a diferença entre o QUERER e o SER CAPAZ. O filme de Margarida Cardoso é absolutamente conseguido, excelente. E não é só pela fotografia que é das melhores que já vi no cinema, ou pelo desempenho dos actores (com destaque para a Beatriz Batarda, claro), mas toda a película respira de forma segura pela mão da realizadora. Margarida Cardoso, que nos habituara desde DOIS DRAGÕES a uma forma rigorosa de filmar, mostra-se aqui em plena maturidade. Perpassa a sombra de Lucrecia Martel, na forma de filmar os ombros desnudados das mulheres. E ainda bem.
É de longe o melhor filme português dos últimos anos. Filma África não como o postal ilustrado que a fotografia poderia produzir, mas de forma significativa e coerente. É "parado", sim, mas não tem nada do pseudo-intelectualismo de que Fragata se queixa (e nalguns casos com razão, basta ver os filmes estreados entre nós). É apenas um belíssimo filme.
Uma noite que começou mal em português, para acabar em beleza, como um céu coberto de flamingos rosa.
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